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O HORIZONTE É O MEIO

Liminare Gallery, Lisbon

24.09.22 - 19.11.22

[EN]

Poderia ser num sonho                                              

As ilusões são, para a alma, o que a atmosfera é para Terra.

Virgínia Wolf

A Fata Morgana é um efeito óptico que acontece no horizonte a partir de uma inversão térmica nas temperaturas do ar e da água, provocando desvios de luz que alteram e confundem a nossa percepção. O fenômeno leva o nome da feiticeira de Avalon que tinha o poder de mudar de aparência. Sob o efeito da Fata Morgana, os barcos parecem flutuar no céu, criando uma ilusão no horizonte. 

 

Lugar que não existe, o horizonte é em si uma ilusão. Ainda que um destino inalcançável, acende o desejo intuitivo de seguir naquela direção e descobrir o que está além da fronteira entre o visível e o imaterial. É esse desejo que nos orienta, que revela o ímpeto de agir e construir o que não está. Um convite ao mistério, ao escape e à imaginação. Território desconhecido, apontar para o horizonte é apontar para o futuro. Enquanto direção, a impossibilidade de alcançá-lo nos convoca a permanecer em movimento, o sentido é o deslocamento. 

 

No contexto histórico das grandes navegações e invasões europeias dos séculos XV e XVI - diretamente relacionadas ao presente distópico - o horizonte foi a referência de uma nova ideia de perspectiva na pintura: a perspectiva com um ponto de fuga que situa-se na linha do horizonte e para onde todas as linhas transversais a ela se dirigem, produzindo o aspecto da realidade na pintura. 

 

Para além da revolução na produção pictórica, nascia uma hegemonia de poder global estruturada em uma configuração (xxxx/xxxx/xxxx/xxxx) que desde então silencia e inviabiliza qualquer outra forma de existência que não se direcione a esse único ponto na linha do horizonte. E que segue, em seu desequilíbrio e disfuncionalidade, revelando a urgência de nos orientarmos a partir de outras perspectivas.

 

Em Esferas da Insurreição, Suely Rolnik aponta, a partir da peça Caminhando (1963) de Lygia Clark - em que a obra já não é o objeto mas a experiência da ação -, a necessidade de um processo contínuo de desconfiguração ou descolonização do inconsciente dessa perspectiva de realidade que nos foi determinada e instituída. 


Convocando a potência criativa a atuar no inconsciente pulsional, que move as ações do desejo em seus distintos destinos[1], redirecionamos as linhas transversais da perspectiva a outros pontos da linha do horizonte. Como a luz sob o efeito da Fata Morgana; desviar o funcionamento da mente e enganar nosso sistema de percepção, alterando os eixos e as estruturas para que possa surgir uma outra configuração de mundo.

[1] ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: Notas Para Uma Vida Não Chulada. Sistema Solar. 2020.

*Texto presente no catálogo da exposição.

Carla Rebelo, Dalila Gonçalves, Desali, Diogo Evangelista, Gonçalo Preto, Henrique Biatto

Public Program 'O horizonte é o meio'

Fotos © Paula Nobre

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