SUSPIRO
Bárbara Faden & Rita Paisana at Salto, Lisbon
20.04.24 - 30.05.24
[EN]
Encantamentos, amuletos e ressonâncias próprias das relações íntimas de amizade
celebram um universo sagrado e criado em conjunto que se manifesta em Suspiro,
exposição de Bárbara Faden e Rita Paisana. O indício de um desejo veemente revela algo entre um estado de paixão e incômodo - tempestade e calmaria - delineado neste diálogo em meio a entrelaces reluzentes. O encontro da reprodução da natureza com a fantasia e experiência das artistas caracteriza, ao mesmo tempo, uma exposição sensorial e imaginativa [1], o aspecto sonhador e por vezes abstrato inspira uma pulsão adolescente, dilemas existenciais e corações derretidos, na intensidade das suas próprias sensações. Raízes emergem e se multiplicam com o passar do tempo, tornando-se cada vez mais complexas, enquanto outros laços são levados pelo vento.
Os portais já são um prenúncio de altares? [2]
Abrindo espaço para os mistérios da matéria, paisagens submersas e cortinas entreabertas anunciam portais. Em Fireflies blinking on and off (2024), o círculo formado por olhos-gotas acentua a esfera espiritual e o aspecto meditativo das pinturas de grande formato de Bárbara Faden. Um mergulho no azul profundo. Ao refletir sobre a prática da pintura em Água Viva (1973), Clarice Lispector diz estar à procura do instante de uma iminência que a tire o fôlego, uma busca que mantém a chama acesa e a devoção de quem está enfeitiçada. Partilha descobertas, pensamentos, anseios existenciais e interesses pictóricos como num diário escrito a alguém. Um baú de preciosidades guarda em seu interior aveludado a delicadeza de coisa vivida e depois revivida [3], como comer um figo direto da árvore e a
seguir lamber os dedos, sentindo o estalar do açúcar na contemplação da experiência compartilhada, doce e íntima.
Em Suspiro, elementos em repetição criam um ritmo onde a delicadeza coexiste com a possibilidade de ver as coisas intensificadas, um fascínio que muitas vezes se perde ao longo da vida. Entre as influências de uma conexão profunda e construída com o passar dos anos, símbolos e formas orgânicas se cruzam nesta espécie de dimensão celeste. A atmosfera emocional e imersiva, o brilho do glitter que assinala a obra de Rita Paisana e a profusão de cores nos aproximam do universo das projeções caleidoscópicas de Pipilotti Rist, suas experimentações em videoarte e instalações expandidas. Como ornamentos sensoriais do cotidiano, as vitrines cobertas de glacê e granulado colorido das confeitarias de Lisboa poderiam estar nos planos de Ever is over all (1997) ou I'm a victim of this song (1995), com o grito visceral da artista ao fundo, lembrando o risco de se queimar em fogo alto que faz parte das relações românticas e trazendo, entre efeitos poéticos, a força feminina enquanto alternativa a um sistema desigual.
World was on fire
And no one could save me but you. [4]
[1] JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[2] LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
[3] Idem.
[4] I'm a victim of this song (1995). Pipilotti Rist e Andreas Guggisberg reinterpretam Wicked Game (1989), de Chris Isaak.
Fotos © Samuel Duarte