FLYING IN A SILVER PLANE
Tom Solty at This Is Not a White Cube
[EN]
O barulho dos automóveis na rodovia intercala com o som dos insetos, pássaros e aviões que sobrevoam o ambiente. No céu, da janela do avião prateado o afastar das paisagens, que vão dos centros urbanos às planícies rurais, faz os resquícios da sociedade humana desaparecerem aos poucos.
Entre as luzes da cidade e as profundas florestas do planeta, estruturas industriais e horizontes desfocados nos interrogam sobre um futuro em que não haverá noite nem dia. A umidade da chuva paira, o vento sacode a floresta lá fora[1]. No ponto de ônibus, as plantas ainda crescem atrás dos prédios e mariposas voam ao redor do poste de luz.
Dos períodos que passa na cidade e no campo, Tom Solty traz fragmentos da vida entre lugares. Nas caminhadas em regiões remotas, a direção é apontada para aquilo que floresce. Composições verticalizadas exaltam a natureza nos detalhes de toda a sua perfeição mística, da garoa cristalina sobre os frutos silvestres às flores que desabrocham apenas na primavera.
A nitidez delineada na asas das borboletas e nas folhas das espécies botânicas aproxima os ciclos vitais da natureza, enquanto o desfoque da paisagem urbana distancia as metrópoles. As linhas afiadas dos espinhos nos atraem, ao mesmo tempo que o vidro, embaçado por uma fina camada de tinta a óleo aplicada com a airbrush, desconecta e afasta as Mimosas.
Em Flying in a silver plane, Tom Solty explora efeitos de aproximação e afastamento combinando técnicas clássicas e contemporâneas da pintura. A sobreposição de fotografias autorais e imagens encontradas reforça o contraste na representação sublimada da flora e fauna, enquanto o contexto urbano se revela turvo.
Entre deslocamentos, o artista aponta interferências da espécie humana na vida selvagem que refletem o reino ambíguo da coexistência entre seres humanos e não-humanos[2]. Sua relação individual com a paisagem que o cerca se inscreve na exposição, assim como contradições que reverberam questões ecológicas e preocupações coletivas.
Neste coexistir, a fragilidade da humanidade em relação à magnitude da natureza reflete um caminho em conexão com o ecossistema para que possamos, depois de ultrapassar as nuvens carregadas, contemplar o alvorecer.
[1] Herzog, Werner. Caminhar no gelo. Tinta da China, 2011.
[2] Morton, Timothy. Dark Ecology: For a Logic of Future Coexistence. Columbia University Press, 2016.
Fotos © João Neves